quinta-feira, 11 de julho de 2013

Julho de 2013 - MARÇAL AQUINO


Encontro n° 57, 30 de julho

 
 
EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS
DE SEUS LINDOS LÁBIOS
 
 



Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios é a história de um amor intenso, numa cidade de garimpo, no estado do Pará. Um romance fascinante com personagens trágicos, num lugar onde reinam a sede de ouro e a violência.

Começa assim:
“Não adianta explicar. Você não vai entender.
Às vezes, como num sonho vejo o dia da minha morte. É uma coisa meio espírita, um flash. E, embora a mulher não apareça, sei que é por causa dela que estão me matando. E tenho tempo de saber que não me deixa infeliz o desfecho de nossa história.
Terá valido a pena.”


Falamos do amor e também de sua versão platônica.

Escolhemos a quem amamos?
O amor é sexualmente transmissível?
O que sustenta a um amor platônico?


 

 São geniais as citações do Professor Shianberg no livro “O que vemos no mundo”:
“Talvez, talvez. No reino amoroso, o professor Schianberg ensina, o “talvez” é moeda sem nenhum valor. Talvez se eu tivesse perdido aquele avião, talvez se não tivesse tomado aquele trem, quando ainda existiam trens. Se eu não tivesse aportado ali ou não andasse atrás de putas para fotografar. Se tivesse ido para outro lugar...
Minha vida não estaria completa. Porque nenhuma vida estaria completa sem um grande desastre, como afirma Schianberg. Um sábio. Pervertido, mas sábio.”



“Schianberg escreve que é comum os amantes se tomarem por invisíveis. Apaixonados, ele diz, pensam que estão sempre a sós com o mundo. É um engano: estão apenas ofuscados pela luz que eles próprios emitem.”

“Em seu livro o professor Schianberg escreveu: “A grande desgraça e que as lembranças não bastam para confortar os amantes. Nunca aplacam. Ao contrário: servem só para espicaçar as chagas de aqueles que foram condenados à lepra do amor não correspondido”.

 “O professor Schianberg diz que a natureza do amor, de não nos permitir escolher por quem nos apaixonamos, é uma rota que pode conduzir à ruína. Entendo por que Schianberg escreveu isso. E dou a razão a ele. Alguns amores levam a ruína. Eu soube disso desde a primeira vez em que Lavínia entrou na minha casa.”

“O trecho está grifado no livro. Nele, o professor Schianberg dá voz a Nietsche  - "Há sempre um pouco de loucura no amor, mas há sempre um pouco de razão na loucura" -, para depois contestá-lo, lembrando que na loucura dos amores contrariados não há espaço nenhum para a razão, apenas para mais loucura.”

“Eu não desejava dona Jane. Era uma pena, mas não a desejava. Um típico caso de STTL, na definição do professor Schianberg. Síndrome de Transferência Total de Libido. Em geral ele escreveu, poucos homens são fieis de verdade. Tudo depende da oportunidade e da temperatura do sangue do homem em questão. Em alguns casos, contudo, diz o aloprado autor de uma
Ars Amatoria particular, o individuo se apaixona com um grau de entrega tal que toda sua libido se transfere, de modo exclusivo, para o objeto amado. STTL."

 
Lavínia é a grande protagonista do livro, uma mulher sensual e desconcertante, dona de uma infância triste e miserável.

 “O rosto era mesmo excepcional, anguloso, estranho. Os olhos tinham
antiguidade e abismos.
Queremos o que não podemos ter, diz o professor Schianberg, o mais obscuro dos filósofos do amor. È normal, saudável. O que diferencia uma pessoa de outra, ele acrescenta, é o quanto cada um quer o que não pode ter. Nossa ração de poeira das estrelas.”

"...Os perfumes delicados e ásperos do corpo daquela mulher. Sua nobreza e sua cólera. A música da sua presença em minha casa. E também os dias em que comunicava notícias de outros mundos, que só ela vislumbrava. Por mais alterado que estivesse, nunca consegui chegar sequer aos subúrbios dessa fronteira."


Falamos do Brasil, potencia econômica com um alto grau de pobreza, e especialmente dessas cidades pobres e perdidas no mapa como a do livro.

“Homens, mulheres e crianças amarfanhados de sono, ainda atordoados pelos sonho em que se viam colhendo um relâmpago do útero da terra: a pedra que modificaria suas vidas.”

“Homens e mulheres gastos –até as crianças pareciam envelhecidas–. Riam de um jeito acanhado das piadas maliciosas contadas pelo cantor. Gente desacostumada a rir.”

 “Famílias inteiras de miseráveis se amontoavam debaixo das marquises, bandos de crianças seminuas erravam pelas calçadas do centro. O motorista precisou frear o táxi para não atropelar um negro andrajoso, que cruzou a rua discursando sua loucura. O pastor começou a temer pelo pior.”

 “Sou apenas mais uma aberração num lugar onde elas brotam a cada esquina. Um fantasma estrangeiro. Me olham, quando olham, como se eu não estivesse mais ali. Afinal, fui morto. Já me mataram. Só que feito um Lázaro de tempos multimídia, retornei para assombrar a todos com a minha câmara a tiracolo e as minhas chagas.
Estou de volta para lembra-los de um equívoco que cometeram, e ninguém gosta de ser lembrado desse tipo de coisa.
Descobri que morrer não é assim tão fácil. Mesmo num lugar onde a vida pesava sempre menos que as pepitas.”



Bem-vindo Marçal Aquino a Nosso Clube de Leitura!



Ludwig van Bethoovem

A música dos encontros de Cauby e Lavínia


 
 
 
 
Marçal Aquino (Amparo, 1958).
Jornalista, escritor e roteirista brasileiro, vencedor do Prêmio Jabuti, em 2000, pela aclamada coletânea de contos O amor e outros objetos pontiagudos.
Publicou Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios em 2005.

Periodista, escritor e guionista brasileño, vencedor del Premio Jabuti, en el 2000, por si libro de cuentos O amor e outros objetos pontiagudos.
Su libro Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios
todavía no fue traducido al español. Esperamos que lo hagan pronto!
 

O filme

 
O filme, inspirado no livro, foi lançado em 2012.
Direção: Beto Grant e Renato Ciasca
Elenco original: Camila Pitanga, Gustavo Machado, Zecarlos Machado

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Despedimos a nossa querida escritora, leitora e amiga
Denise, que voltou para o Rio!



Obrigada, Denise, por todos os momentos compartilhados!

Já sentimos saudades de você!

Boa sorte nesta nova etapa de sua vida!



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No dia 26 de junho passado Marcelino Freire publicou no museu MALBA (Buenos Aires)
seu livro Contos Negreiros. 

El pasado 26 de junio, Marcelino Freire presentó en el museo MALBA su premiado libro: Cuentos Negreros.


http://tiempo.infonews.com/2013/06/26/cultura-104484-escribo-porque-soy-cobarde-y-no-tengo-fuerza-para-tomar-las-armas.php

http://marcelinofreire.wordpress.com/2013/06/21/negreiros-na-argentina/
 

 
 Marcelino Freire nasceu em 1967, em Sertânia, PE. Viveu no Recife e, desde 1991, reside em São Paulo. É autor, entre outros, dos livros “Angu de Sangue” (Ateliê Editorial) e “Contos Negreiros” (Editora Record – Prêmio Jabuti 2006). Em 2004, idealizou e organizou a antologia “Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século” (Ateliê). Alguns de seus contos foram adaptados para teatro. Participou de várias antologias no Brasil e no exterior. Criou a Balada Literária, evento que, desde 2006, reúne escritores, nacionais e internacionais, pelo bairro paulistano da Vila Madalena. É um dos integrantes do coletivo EDITH, pelo qual lançou, em julho de 2011, o livro de contos “Amar É Crime”
 
Marcelino Freire nació en 1967, en Sertânia, Pernanbuco. Vivió em Recife y, desde 1991, reside en San Pablo. Es autor, entre otros, de los libros“Angu de Sangue” (Ateliê Editorial) e “Contos Negreiros” (Editora Record – Prêmio Jabuti 2006). Em 2004, organizo la antologia "Los cien mejores cuentos brasileños del siglo". Algunos de sus cuentos fueron adaptados para teatro. Participó de varias antologías en Brasil y en el exterior. Creó la Balada Literaria, evento que desde 2006, reune escritores nacionales e internacionales, en el barrio paulista de Vila Madalena. Es unos de los integrantes del colectivo EDITH, por el cual lanzó, en julio de 2011, el libro de cuentos "Amar é crime" (Amar es crimen).
 


Ouça o primeiro dos contos que lemos no encontro da própria voz do Marcelino:
Escuche a Marcelino Freire leyendo Totonha: 

 
Totonha  
 

Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em quê? Não quero aprender, dispenso.

Deixa pra gente que é moço. Gente que tem ainda vontade de doutorar. De falar bonito. De salvar vida de pobre. O pobre só precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu, aqui no meu canto. Na boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?

O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o vale-lingüiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o vento, ta me entendendo? Demente como um mosquito. Na bosta ali, da cabrita. Que ninguém respeita mais a bosta do que eu. A química.

Tem coisa mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo esculhambado? O risco da poeira? O pó da água? Hein? O que eu vou fazer com essa cartilha? Número?

Só para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço? Tem esforço mais esforço que o meu esforço? Todo dia, há tanto tempo, nesse esquecimento. Acordando com o sol. Tem melhor bê-á-bá? Assoletrar se a chuva vem? Se não vem?

Morrer, já sei. Comer, também. De vez em quando, ir atrás de preá, caruá. Roer osso de tatu. Adivinhar quando a coceira é só uma coceira, não uma doença. Tenha santa paciência!

Será que eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar só pra mocinha aí ficar contente? Dona professora, que valia tem o meu nome numa folha de papel, me diga honestamente. Coisa mais sem vida é um nome assim, sem gente. Quem está atrás do nome não conta?

No papel, sou menos ninguém do que aqui, no Vale do Jequitinhonha. Pelo menos aqui todo mundo me conhece. Grita, apelida. Vem me chamar de Totonha. Quase não mudo de roupa, quase não mudo de lugar. Sou sempre a mesma pessoa. Que voa.

Para mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa. No focinho de quem for. Não tenho medo de linguagem superior. Deus que me ensinou. Só quero que me deixem sozinha. Eu e minha língua, sim, que só passarinho entende, entende?

Não preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O doutor. O presidente é que precisa saber o que assinou. Eu é que não vou baixar minha cabeça para escrever.
Ah, não vou.

(Marcelino Freire, Contos negreiros. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2005)



Solar dos Príncipes

 Quatro negros e uma negra pararam na frente deste prédio.

 A primeira mensagem do porteiro foi: "Meu Deus!" A segunda: "O que vocês querem?" ou "Qual apartamento?" Ou "Por que ainda não consertaram o elevador de serviço?"

 "Estamos fazendo um filme", respondemos.

 Caroline argumentou: "Um documentário". Sei lá o que é isso, sei lá, não sei. A gente mostra o documento de identidade de cada um e pronto.

 "Estamos filmando".

 Filmando? Ladrão é assim quando quer sequestrar. Acompanha o dia-a-dia, costumes, a que horas a vítima sai para trabalhar. O prédio tem gerente de banco, médico, advogado. Menos o síndico. O síndico nunca está.

- De onde vocês são?

- Do Morro do Pavão.

 - Vamos gravar um longa-metragem.

- Metra o quê?

 Metralhadora, cano longo, granada, os negros armados até as gengivas. Não disse? Vou correr. Nordestino é homem. Porteiro é homem ou não é homem? Caroline dialogou: "A idéia é entrar num apartamento do prédio, de supetão, e filmar, fazer uma entrevista com o morador."

 O porteiro: "Entrar num apartamento"?

 O porteiro: "Não".

 O pensamento: "Tô fodido."

 A idéia foi minha, confesso. O pessoal vive subindo o morro para fazer filme. A gente abre as nossas portas, mostra as nossas panelas, merda.

 Foi assim que comprei uma câmara de terceira mão, marcamos, ensaiamos uns dias. Imagens exclusivas, colhidas na vida da classe média.

 Caroline: "Querido, por favor, meu amor". Caroline mostrou o microfone, de longe. Acenou com o batom, não sei.

 Vou bem levar paulada do microfone? O microfone veio emprestado de um pai-de-santo, que patrocinou.

 O porteiro apertou o apartamento 101, 102, 108. Foi mexendo em tudo quanto é andar. Estou sendo assaltado, pressionado, liguem para o 190, sei lá.

 A graça era ninguém ser avisado. Perde-se a espontaneidade do depoimento. O condômino falar como é viver com carros na garagem, saldo, piscina, computador interligado. Dinheiro e sucesso. Festival de Brasília. Festival de Gramado. A gente fazendo exibição no telão da escola, no salão de festas do prédio.

 Não.

 A gente não só ouve samba. Não só ouve bala. Esse porteiro nem parece preto, deixando a gente preso do lado de fora. O morro tá lá, aberto 24 horas. A gente dá as boas-vindas de peito aberto. Os malandrões entram, tocam no nosso passado. A gente se abre que nem passarinho manso. A gente desabafa que nem papagaio. A gente canta, rebola. A gente oferece a nossa coca-cola.

 Não quer deixar a gente estrear a porra do porteiro. É foda. Domingo, hoje é domingo. A gente só quer saber como a família almoça. Se fazem a mesma festa que a nossa. Prato, feijoada, guardanapo. Caralho, não precisa o síndico. Escute só. A gente vai tirar a câmera do saco. A gente mostra que é da paz, que a gente só quer melhorar, assim, o nosso cartaz. Fazer cinema. Cinema. Veja Fernanda Montenegro, quase ganha o Oscar.

- Fernanda Montenegro não, aqui ela não mora.

 E avisou: "Vou chamar a polícia".

 A gente: "Chamar a polícia?"

 Não tem quem goste de polícia. A gente não quer esse tipo de notícia. O esquema foi todo montado num puta de sacrifício. Nicholson deixou de ir vender churro. Caroline desistiu da boate. Eu deixei esposa, cadela e filho. Um longa não, é só um curta. Alegria de pobre é dura. Filma. O quê? Dei a ordem: Filma.

 Começamos a filmar tudo. Alguns moradores posando a cara na sacada. O trânsito que transita. A sirene da polícia. Hã? A sirene da polícia. Todo filme tem sirene de polícia. E tiro, muito tiro.

 Em câmera violenta. Porra, Johnattan pulou o portão de ferro fundido. O porteiro trancou-se no vidro. Apareceu gente de todo tipo. E a ideia não era essa. Tivemos que improvisar.

 Sem problema, tudo bem.

 Na edição, a gente manda cortar.


(Marcelino Freire, Contos negreiros. Rio de Janeiro: Record, 2005)



 

4 comentários:

  1. "Dona Jane apoia as mãos nas cadeiras. Veste uma blusa de mangas compridas, apesar do calor. Para esconder o nome de um homem que tem gravado no antebraço esquerdo. Nunca mostra a ninguém. Pecados de juventude. O segredo, dizia Chang, o china da loja, não é descobrir o que as pessoas escondem, e sim entender o que elas mostram." (Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios-Marçal Aquino,págs. 12-13)

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  2. "Termine seu poema, falei.

    Não quero ser lembrado por uma poesia, pô. Você não gostaria de ser lembrado por algo maior, que tivesse realmente interferido na vida das pessoas?

    Eu ri.
    Li um monte de poemas que mudaram minha maneira de ver o mundo. Você acha isso pouco?

    Ah, Cauby, você não passa de um romântico."

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  3. "...Os perfumes delicados e ásperos do corpo daquela mulher. Sua nobreza e sua cólera. A música da sua presença em minha casa. E também os dias em que comunicava notícias de outros mundos, que só ela vislumbrava. Por mais alterado que estivesse, nunca consegui chegar sequer aos subúrbios dessa fronteira." Lindo, né? Quem sabe consigo ir desta vez, Gaby. bjs

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  4. "Schiamberg escreve que é comum os amantes se tomarem por invisíveis. Apaixonados, ele diz, pensam que estão sempre a sós com o mundo. É um engano: estão apenas ofuscados pela luz que eles próprios emitem." Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, Marçal Aquino

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